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Resposta a Juliette Simont

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Texte

Toda a linha de raciocínio que será desenvolvida neste trabalho parte do pressuposto que assinala a inexistência da divisão do corpus sartrianum em duas fases distintas. Ou seja: ela baseia-se na assertiva de que os tomos I e II da Critique de la raison dialectique são uma "complementação necessária" de Láêtre et le néant, pois somente assim a influência exercida por Hegel sobre o pensamento sartriano revelar-se-á. Vale lembrar que essa influência é sintetizada através do termo alienação. Para conhecê-lo, é preciso trilhar o caminho oposto àquele realizado por Juliette Simont em Sartrean ethics. Logo, este trabalho partirá dos tomos I e II da Critique de la raison dialectique para entender a complexidade desse termo.

Hegel e Marx

Como observou Pierre Verstraten, a influência exercida pela dialética hegeliana sobre Sartre revela-se na íntegra somente nas publicações póstumas do mesmo 1 , apesar do tomo I da Critique de la raison dialectique destacar uma crítica que é fundamental para a compreensão dessa influência. Com efeito, essa crítica diz respeito à objeção feita por Marx referente ao entendimento hegeliano acerca do fenômeno da alienação, uma vez que este a define como a "exteriorização da subjetividade humana junto a objetividade da natureza". Ou seja: esse fenômeno não torna a realidade humana estranha a si mesma, já que acontece justamente o contrário:

" Toda a história da alienação e toda a retração da alienação se reduz, portanto, à história da produção do pensamento abstrato, isto é, do pensamento absoluto, lógico, especulativo. A desapropriação que forma o interesse real da alienação e a abolição da alienação, é a oposição do em si e para si, da consciência e da autoconsciência, do objeto e do sujeito, isto é, a oposição do pensamento abstrato e da realidade sensível ou da existência sensorial real, no interior do próprio pensamento. Todas as outras contradições e movimentos constituem apenas a aparência, a capa, a forma esotérica destas duas posições, que são as únicas interessantes e que constituem o significado das outras, das contradições profanas. Não é o que ser humano se objetive a si mesmo de modo inumano, em oposição a si próprio, mas porque se objetiva a si mesmo na distinção e na oposição ao pensamento abstrato, que constitui a alienação tal como ela existe e como deve ser transcendida. "

(MARX, 2001, pp.176-177)

Para Marx, definir o fenômeno da alienação como a "exteriorização da subjetividade humana junto a objetividade da natureza" é desconhecer todas as suas características. Melhor: conceituá-lo através dessa forma é torná-lo incompreensível, dado que ocorre a famosa "inversão dialética". Convém observar que essa inversão consiste no fato de que a desarmonia entre as relações produtivas e as forças de produções é colocada em segundo plano, tornando-se dessa forma um "estágio necessário" para que a consciência possa atingir o conhecimento absoluto de si mesma. Logo, esse fenômeno não revela o estranhamento que a práxis experimenta quando percebe que o fruto do seu trabalho lhe foi usurpado, mas somente uma maneira de objetivação que será transcendida quando o movimento do Espírito absoluto se completar.

Decerto, alguém poderia argüir o seguinte: de que forma Marx define que o fenômeno da alienação representa em Hegel a "exteriorização da subjetividade humana junto a objetividade da natureza"? A nosso ver, essa definição acontece quando Marx assinala que a superação desse fenômeno segundo Hegel é na verdade a sua manutenção, pois o movimento do Espírito absoluto não erradica o par sujeito / objeto 2 . De certa maneira, o equívoco hegeliano acerca do fenômeno da alienação consiste no fato de não tê-lo compreendido através da desarmonia entre as forças produtivas e as relações de produção, tornando-o assim o próprio devir da subjetividade humana:

" Mas, em Hegel - exceto a inversão que já descrevemos, ou melhor, como conseqüência dela -, tal ato de gênese surge, primeiramente, como um ato puramente formal, por ser abstrato, e porque a própria característica humana se considera apenas como característica pensante abstrata, como autoconsciência. Em segundo lugar, porque a concepção é formal e abstrata, a eliminação da alienação torna-se uma confirmação da alienação. Para Hegel, o movimento de autocriação, de auto-objetivação na forma de auto-alienação, constitui a absoluta expressão da vida humana e, portanto, a última, que tem em si a sua própria finalidade, a paz e a consecução da sua natureza. "

(MARX, 2001, p. 188)

Portanto, a dialética hegeliana revela que se alienar não significa tornar-se outro junto aos seus pares. Melhor: o fato de tornar-se outro nessa dialética especifica a busca da realidade humana para finalizar o movimento do auto-conhecimento, identificando-se assim com o próprio devir dessa realidade.

O marxismo de Sartre

Deve-se indicar que Sartre corrobora Marx quando o mesmo critica a dialética hegeliana, uma vez que não compreende adequadamente as conseqüências da desarmonia ocorrida entre as forças produtivas e as relações de produção. Em outras palavras, o marxismo de Sartre pauta-se basicamente no fato de que essa desarmonia fundamenta a alteridade da realidade humana, ao invés de fundamentá-la enquanto idêntica a si mesma . "Assim Marx tem razão, ao mesmo tempo, contra Kierkegaard e contra Marx, uma vez que afirma com o primeiro o primado da existência humana, e uma vez que toma com o segundo o homem concreto na sua realidade objetiva" (Sartre, 1960b, p.26). Aliás, a sua tentativa de encontrar os paradigmas de uma filosofia materialista da história baseia-se nesse fato. De certa forma, os tomos I e II da Critique de la raison dialectique revelam que o trabalho usurpado da práxis determinam a sua exterioridade, ou melhor, a sua metamorfose em objetividade 3 . Decerto, alguém poderia questionar o seguinte: será que a intenção fundamental de Sartre ao publicar os tomos I e II da Critique de la raison dialectique não foi o de revelar o caminho pelo qual a práxis superaria a sua própria exterioridade? A nosso ver, a resposta é afirmativa, posto que esse caminho fundamentaria o desenvolvimento temporal da práxis à margem da desarmonia ocorrida entre as forças produtivas e as relações de produção. De certo modo, essa desarmonia sustenta o fenômeno da alienação enquanto "obrigação". Melhor: ela especifica o surgimento da alteridade no interior de uma estrutura material que não está subordinada a nenhuma forma de "determinismo". É importante salientar que esse surgimento destaca a disparidade entre a intenção do agente histórico e o resultado objetivado dessa intenção. Noutros termos, ele revela a maneira pela qual a busca feita pela práxis para superar a sua objetividade acaba motivando a permanência da mesma.

Entretanto, reduzir o fenômeno da alienação a uma espécie de "obrigação" que a práxis tem de se metamorfosear em objetividade é desconhecer todos os paradigmas da História. Isto é: conceituá-lo somente dessa forma é não explorar todas as suas características, uma vez que restringe a sua participação ao período capitalista. Pode-se assinalar que a ressalva feita por Sartre à dialética marxiana direciona-se neste sentido, já que esta não explicou o funcionamento global da História, restringindo-se apenas a época histórica marcada pelo sistema capitalista. "Ora, deve-se notar que os esquemas da pré-história, da Antiguidade, da Idade Média e do período pré-capitalista quase nunca são apresentados por Marx sob uma forma inteligível" (Sartre, 1960b, p. 253). De certa forma, isso acontece porque essa dialética não conseguiu explicar adequadamente o fenômeno da escassez: "Com efeito, o que impressiona nas interpretações de Engels - e muitas vezes, também nas de Marx - é que as referências à escassez são quase inapreensíveis, e, aliás, ambíguas" (Sartre, 1960b, p.256).

Tem-se de destacar que a dialética marxiana não conseguiu enxergar o funcionamento do período socialista, posto que o mesmo não assinala no seu estágio inicial o término do conceito da mais-valia. Ou seja: ela não se apercebeu que o surgimento do período socialista é incapaz de determinar o fim da alienação primitiva, já que não indica a superação do descompasso entre as forças produtivas e as relações de produção. Prova disso verifica-se quando Sartre analisa no tomo II da Critique de la raison dialectique o esforço da URSS para empreender a sua industrialização:

" O trabalhador, segundo Marx, recebe um salário que representa um valor inferior àquele produzido por ele: o restante desse valor, na sociedade capitalista, dirige-se ao patrão que o reinveste parcialmente na empresa. É dessa forma que a acumulação pode ocorrer. Porém, pode-se falar em outra maneira de acumulação no período de acumulação socialista? Como desenvolver a indústria se o valor consumido pelo produtor é igual àquele que ele produz? "

(Sartre, 1960b, p. 155)

Logo, o fenômeno da alienação como estranhamento da realidade humana não pode ser suprimido após o advento do período socialista. Diante disso, surge uma questão inevitável: esse fenômeno representa apenas a alteridade que a condição humana experimenta no seu desenvolvimento temporal ou significa algo que permanece velado? Talvez a influência exercida por Hegel sobre o pensamento sartriano descrito nos tomos I e II da Critique de la raison dialectique possa esclarecer essa questão.

O "hegelianismo" de Sartre

Por que a dialética marxiana não consegue tornar inteligível a História, restringindo-se somente a decifrar o funcionamento do período capitalista? Para Sartre, isso acontece por causa da impossibilidade dessa dialética compreender que o fenômeno da alienação representa algo além do que o simples estranhamento que a realidade humana experimenta ao desenvolver-se na pré-história. De certa forma, esse algo constitui-se como o leitmotiv da História, porque assinala o desejo fundamental que norteia a raça humana.

Mas, o que seria esse desejo? Para conceituá-lo, é preciso destacar uma passagem de Questions de Méthode onde Sartre revela de que forma Hegel tem razão em relação a Kierkegaard, e vice-versa:

" Como estamos vendo, Kierkegaard é inseparável de Hegel e essa negação obstinada de qualquer sistema só pode ter origem em um campo cultural inteiramente comandado pelo hegelianismo. O dinamarquês sente-se acuado pelos conceitos, pela História, ele defende a sua pele, é a reação do romantismo cristão contra a humanização racionalista da fé. Seria muito fácil rejeitar essa obra em nome do subjetivismo: o que é necessário observar sobretudo, situando-nos no contexto da época, é que Kierkegaard tem razão contra Hegel, tanto quanto este tem razão contra aquele. Hegel tem razão: em vez de obstinar-se, como o ideólogo dinamarquês, em paradoxos congelados e pobres que, no final de contas, remetem a uma subjetividade vazia, o filósofo de Iena visa por seus conceitos o concreto verdadeiro; além disso, a mediação apresenta-se sempre como um enriquecimento. E Kierkegaard tem razão: a dor, a necessidade, a paixão, o sofrimento dos homens são realidades brutas que não podem ser superadas ou modificadas pelo Saber; é claro, seu subjetivismo religioso pode passar, com razão, pelo cúmulo do idealismo, mas em relação a Hegel, marca um progresso em direção ao realismo já que, antes de tudo, insiste sobre a irredutibilidade de um certo real ao pensamento e sobre a sua primazia. "

(Sartre, 1960a, pp. 24-25)

Em poucas palavras, pode-se dizer que Hegel tem razão em relação a Kierkegaard quando tenta por meio do processo de mediação entre o homem e a natureza o término do par sujeito / objeto, uma vez que a configuração equivocada desta aponta uma metafísica irreal, pois indica um Ser que só pode ser apreendido pela fé. Por outro lado, porém, Kierkegaard tem razão em relação a Hegel quando assinala que o rompimento - e conservação - do par sujeito / objeto descritos pelo filósofo de Iena fundamentam o real através do pensamento, tornando-o o caminho pelo qual a consciência humana descobrirá a sua essência. Ou seja: tanto a superação quanto a conservação do par sujeito / objeto segundo Hegel motivam a primazia do Saber sobre o Real.

Nota-se, portanto, que o núcleo da compreensão dada por Sartre referente ao fenômeno da alienação está contido nessa passagem de Questions de Méthode. Por um lado, ele entende que esse fenômeno não pode ocasionar a redução do Ser ao Saber, já que isso resultaria na inexistência do conceito de liberdade como liberdade de escolha. Assim, o filósofo francês acredita que alienar-se significa transformar-se em algo distinto do que se é, pois corresponde a um coeficiente de alteridade que o homem experimenta no seu desenvolvimento temporal. Convém observar que esse coeficiente não descaracteriza a liberdade humana, apesar dos tomos I e II da Critique de la raison dialectique indicarem a importância de demonstrar um estágio onde essa liberdade possa desenvolver-se à margem de toda e qualquer forma de alteridade. Por outro lado, porém, Sartre deixa entender que o fenômeno da alienação tem que revelar a procura da realidade humana para destruir o par sujeito / objeto, posto que este a torna incompleta 4 . Desse modo, não é de se admirar que esse fenômeno represente a tentativa do homem para reduzir o Ser ao Saber, apesar disto ser improvável. Melhor: ele corresponde ao desejo desse homem para conquistar as propriedades do inorgânico, uma vez que isso o levaria a superação da sua própria exterioridade:

" ...nós agimos somente sobre o inorgânico (ou apenas através da sua mediação), mas não podemos assimilar diretamente os minerais; nós vivemos para consumir outras vidas, mas não temos os meios para produzir as sínteses vivas. Nossa práxis é definida por meio desta dupla relação negativa: nós trabalhamos apenas em torno do inerte, mas somente podemos assimilar o orgânico: se nós fossemos diretamente ligados, como as plantas, as substâncias minerais, a ação desapareceria ou se reduziria ao mínimo; a raridade poderia ceder o seu lugar (sob certas condições) à abundância; porém, se nós fossemos capazes de produzir a vida esta tornar-se-ia, como integração dirigida, a forma superior da ação... "

(Sartre, 1985, p. 351)

Um olhar atento para o fenômeno da alienação nos permite compreender que este significa o devir da condição humana, tornando-a idêntica a si mesma. Entretanto, poder-se-ia questionar: de que maneira Sartre deixa a entender que esse fenômeno traz consigo tanto a idéia de identidade quanto a de alteridade da liberdade humana? Para responder, é preciso destacar que no corpus sartrianum os termos identidade e alteridade não revelam a radical oposição professada pela metafísica tradicional; aliás, há uma dependência mútua, apesar do filósofo francês acenar com a hipótese da superação da alteridade pela identidade. Em face do exposto, percebe-se quão os termos liberdade e alienação não são díspares: "Alienação e liberdade não são conceitos contraditórios. Muito pelo contrário (…) Há uma noção que a dialética marxista não elucidou de modo suficiente, a saber: não há alienação a não ser de um homem livre" (Sartre, 1987, p. 39). Se assim não for, como sustentar-se-ia a tese de que a liberdade é o fator insuperável do homem caso esta fosse atingida pela alteridade? Melhor: de que forma poder-se-ia ocorrer a transição da liberdade para a alienação caso esta representasse somente o contraditório daquela, e vice-versa?

O conceito de liberdade de escolha

Definir o fenômeno da alienação tanto através da alteridade quanto da identidade da condição humana motiva a aproximação do pensamento sartriano junto à dialética hegeliana, uma vez que ambos rejeitam a radical oposição entre os termos liberdade e determinismo. De certo modo, pode-se dizer que este depende daquele para se tornar inteligível, visto que o desenvolvimento da alienação como "obrigação" é impossível num Universo que não seja habitado por homens livres. Ou seja: a possibilidade do homem vir-a-ser outro está atrelada a sua manutenção enquanto si mesmo. Essa manutenção nada mais é do que "a exteriorização da subjetividade humana junto à objetividade da natureza", tornando-se assim o sustentáculo da forma fundamental da alienação. Entretanto, é inadequado assinalar que Sartre seja stricto sensu um adepto da dialética hegeliana, já que esta reduz arbritrariamente a alteridade ao movimento da identidade 5 . Essa redução determina o aparecimento do princípio da conformidade entre o Ser e o Saber, sendo que este não pode aceito por Sartre por causa do postulado que aponta a anterioridade da existência sobre a essência.

Qual é o mecanismo empregado por Sartre nos tomos I e II da Critique de la raison dialectique para evitar a redução da alteridade ao movimento da identidade na condição humana? Ao nosso ver, esse instrumento é a escassez que atinge a exterioridade da natureza, porque assinala a forma pela qual a identidade da realidade humana se torna responsável por sua alteridade, apesar de não fundamentá-la. Vale frisar que essa escassez garante ao filósofo francês a oportunidade de rejeitar uma liberdade que desconheça a necessidade, assim como lhe possibilita indicar a maneira pela qual esta representa a antítese daquela.

Entender que a condição humana contém em si tanto a identidade quanto a alteridade é defini-la como liberdade de escolha. Grosso modo, essa liberdade representa a vontade da identidade de suprimir a alteridade, pois isso a faria encontrar um sentido para a sua existência através do conhecimento; porém, a realização desse desejo é uma hipótese improvável, porque somente dessa forma a liberdade de escolha do homem não se transformaria em liberdade de obtenção.

Ressalvas à Juliette Simont

Toda a explicação dada pela pesquisadora belga acerca do fenômeno da alienação na Critique de la raison dialectique direciona-se em torno da alteridade da condição humana. Por conseguinte, esse fenômeno significaria no corpus sartrianum somente uma certa "obrigação" que a liberdade humana teria que enfrentar no seu desenvolvimento temporal; aliás, é apenas por meio dessa "obrigação" que o homem poderia se auto-definir como "pura espontaneidade". Logo, a questão ética que permaneceria nesse corpus diz respeito a possibilidade da liberdade humana desenvolver-se à margem da alienação, ou melhor, da "obrigação" que deve enfrentar no seu desenvolvimento temporal.

Simont extrai essa compreensão através de uma célebre passagem contida no tomo I da Critique de la raison dialectique:

" Nesta conexão Sartre especifica explicitamente a relação dos dois trabalhos: Se o homem é, "como Heidegger diz, ‘um ser-das-lonjuras’", "se ele projeta-se no ambiente do em-si-para-si", isto não vem de "de uma escolha pré-natal, como O Ser e o Nada poderia fazer crer, enganosamente", mas "da relação unívoca de interioridade que une o homem como organismo prático a seu meio circundante. " 6

(Simont, 1992, p. 202)

Entrementes, quem conhece essa passagem sabe que uma palavra foi omitida, pois somente assim a pesquisadora belga poderia defender a idéia de que o fenômeno da alienação se restringiria a uma certa "obrigação" que a condição humana tem de enfrentar no seu desenvolvimento temporal. Com efeito, essa palavra é alienação fundamental:

" É a necessidade dessa relação fundamental que permite compreender a razão pela qual o homem se projeta, como afirmei, no meio do Em-si-Para-si. A alienação fundamental não vem, como O Ser e o Nada poderia fazer crer, por engano, de uma escolha pré-natal: mas da relação unívoca de interioridade que une o homem como organismo prático a seu meio circundante " 7 .

(Sartre, 1960b, pp.336-337 - grifos acrescentados)

Essa omissão gerou duas conseqüências. A primeira delas aponta a disparidade entre os tomos I e II da Critique de la raison dialectique e Láêtre et le néant. Isso deve-se ao fato da pesquisadora belga ressaltar de forma demasiada a diferença existente entre o conceito de falta descrito pelo Essai dáontologie phénomenologique e o de necessidade exposto pela Théorie des ensembles pratiques 8 . Decerto, não é o nosso intento desconsiderar as diferenças que atingem esses conceitos, mas apenas destacar que elas revelam uma unidade essencial, ou seja, a alienação fundamental. De certo modo, essa alienação fundamental especifica a identidade da condição humana nas duas obras magnas do corpus sartrianum. A segunda delas refere-se a hipótese da liberdade humana desenvolver-se à margem do fenômeno da alienação. Segundo Simont, essa hipótese representa a questão ética essencial que circunscreve o corpus sartrianum; porém, é preciso ficar atento para o fato da identidade da liberdade humana constituir-se no elemento moral principal desse corpus, porque revela o dado primordial dessa liberdade. Assim, a questão ética essencial do pensamento sartriano não é aquela que diz respeito a hipótese da liberdade humana desenvolver-se à margem do fenômeno da alienação, mas aquela que assinala a possibilidade da identidade dessa liberdade não se transformar em alteridade. Nota-se, portanto, que essa questão traz consigo um dilema complexo e que passou desapercebido à pesquisadora belga: a liberdade humana deve direcionar-se no corpus sartrianum em prol de uma "moral de intenção" ou de uma "moral de resultado"? Em outras palavras, o fim último da interioridade humana é suprimir a sua exterioridade ou conservá-la contra a sua vontade? Prova desse dilema verifica-se quando se analisa o papel desempenhado por Stálin no tomo II da Critique de la raison dialectique, porque ora o filósofo francês ressalta o aspecto ditatorial do estadista russo, ora a capacidade desse estadista de empreender o esforço gigantesco para a formação da URSS. Convém observar que os equívocos provocados por Stálin na direção da URSS serão "corrigidos" através do conceito de totalização de envolvimento 9 . No entanto, a questão que permanece é a seguinte: a palavra "correção" significa neste contexto a superação desses equívocos ou representa tanto a superação quanto a conservação dos mesmos?

Sartre e Parmênides

Parafraseando Simont, pode-se dizer que a compreensão inicial de L’être et le néant está atrelada ao dogma parmenidiano que assinala a anterioridade do ser em relação ao não-ser:

" De uma parte e de outra, uma filiação parmenidiana é assim claramente reivindicada. Sobre a questão do nada, Sartre e Kant permanecem fiéis a este dogma imemorial da filosofia: o ser contém somente o positivo. Isto implica de uma parte e de outra a premissa que aponta a posterioridade do nada em relação ao ser. "

(Simont, 1998, p. 32)

O pressuposto que indica a anterioridade do ser em relação ao não-ser obriga este último a constituir-se como simples negação do ser. Dessa forma, nota-se que o destino do não-ser no corpus sartrianum é procurar conhecer o modo pelo qual foi originado pelo ser, pois somente assim compreenderá o sentido da sua existência; porém, essa compreensão é algo improvável para o não-ser, visto que nada pode explicar o mecanismo que originou a negatividade no cerne da positividade. Isso acontece por causa de dois fatores, a saber:

  • Não há como demonstrar a forma pela qual a positividade do ser possa conter alguma forma de negatividade quando originou o não-ser, uma vez que este a rejeita indefinidamente. Ou será possível imaginar a positividade do ser contendo em si algo que a difere radicalmente?
  • Não há como detalhar o modo pelo qual a negatividade do ser poderia constituir-se como positivo ou pelo menos o seu reflexo, posto que isso a faria desaparecer enquanto transcendência. Se assim não fosse, o conceito de liberdade enquanto liberdade de escolha no corpus sartrianum estaria superado.

Esses dois fatores revelam que o Ser é irredutível ao Saber em Láêtre et le néant, porque indicam que a tarefa do não-ser (nada) é buscar indefinidamente um sentido para a sua existência, apesar de não poder encontrá-lo. Essa tarefa configura o não-ser como um ente que carrega consigo o princípio da espontaneidade, ou melhor, do movimento 10 . De certa forma, pode-se dizer que esse princípio consolida-se como a forma fundamental da alienação, pois revela a exteriorização da subjetividade humana junto a objetividade da natureza.

A forma fundamental da alienação em Láêtre et le néant

Decerto, alguém poderia argüir o seguinte: de que modo se pode identificar a forma fundamental da alienação em Láêtre et le néant com a exteriorização da subjetividade humana junto a objetividade da natureza? Essa identificação ocorre quando o filósofo francês descreve que o desejo primordial do não-ser é conquistar a positividade do ser sem deixar de constituir-se como negatividade. Ou seja: esse desejo revela que a pretensão do não-ser é superar os dois princípios que regem a temporalidade, tornando-se assim infinito. É importante assinalar que essa superação acontece quando o não-ser consegue tornar cognoscível o sentido da sua existência. Nota-se, portanto, a influência exercida pelo idealismo hegeliano junto ao corpus sartrianum, uma vez que o filósofo alemão defende que o homem deve divinizar-se por meio da redução do Ser ao Saber:

" Corresponde a tal exigência um trabalho penoso, um zelo quase em chamas para arrancar o gênero humano do seu afundamento no sensível, no vulgar e no singular, e para dirigir o seu olhar rumo às estrelas; como se os homens, de todo esquecidos do divino estivessem a ponto de contentar-se com pó e água, como os vermes. Existiu um tempo em que os homens tinham um céu dotado de vastos tesouros de pensamento e imagens. Então a significação de tudo que existe se encontrava no fio de luz que o ligava ao céu; ao invés de permanecer na presença desse mundo, o olhar deslizava além, em direção à essência divina, a uma presença no além - se assim se pode dizer. É pelo constrangimento que o olhar do espírito deveria ser conduzido ao terreno e ali mantido; portanto, foi preciso um longo tempo antes de se introduzir esta claridade que somente possuía o supra-terreno no mundo em que o sentido estava preso à obtusidade e a perdição; para tornar o presente, como tal, digno de interesse e da atenção que levam o nome da experiência. Agora parece haver necessidade do contrário: o sentido está tão enraizado no terrestre que é preciso, parece, uma violência igual para erguê-lo dali. O espírito mostra-se tão pobre que parece aspirar, para se reconfortar, ao mísero sentimento do divino em geral - como um viajante no deserto aspira a uma simples gota dáágua. A facilidade pela qual o espírito se satisfaz possibilita medir a extensão da sua perda. "

(Hegel, 1991, p.10-11)

Um olhar atento para essa influência nos revela que a forma fundamental da alienação em L’être et le néant significa a identidade da condição humana. Melhor: essa forma aponta que o não-ser não se torna outro quando entra em contato com o ser, já que isso é improvável. De certo modo, pode-se dizer que esse contato configura o não-ser enquanto si mesmo; aliás, é através desse contato que o si mesmo configura-se como liberdade, posto que nada o fundamenta.

Entretanto, é inexato configurar o fenômeno da alienação em Láêtre et le néant somente através da exteriorização da subjetividade humana junto a objetividade da natureza. Tem-se de esclarecer também que esse fenômeno representa também a exterioridade produzida pelo contato entre o subjetivo e o objetivo. De certa maneira, esse contato é o instrumento utilizado pelo filósofo francês para distanciar-se do idealismo hegeliano, apesar da influência que este exerce sobre aquele. Isso acontece porque o contato entre o subjetivo e o objetivo não pode servir para descaracterizá-los, já que isto os faria desaparecer enquanto positividade e negatividade. Percebe-se, enfim, quão o corpus sartrianum está atrelado aos paradigmas primordiais da metafísica tradicional, apesar de rejeitar a existência do mundo supra-sensível. Parafraseando Bornheim, deve-se indicar que a filosofia descrita por Sartre é uma "metafísica antimetafísica".

Convém observar que o filósofo francês pauta toda a sua ontologia em torno de uma "metafísica antimetafísica" por causa da necessidade de manter intactos tanto o não-ser quanto o ser quando ambos se relacionam, pois somente assim poderá sustentar a premissa que a "existência precede a essência". Logo, o destino do existente é buscar incessantemente a sua essência, mesmo que esta não possa ser alcançada.

O mecanismo empregado por Sartre para inviabilizar a chance do existente explicar a sua essência é uma certa película de exterioridade que acompanha a finitude desse existente, configurando-se na forma objetivada da alienação, ou melhor, na alteridade da condição humana, que representa a impossibilidade do homem de conhecer a si mesmo na sua plenitude, posto que não pode explicar a forma pela qual a positividade do ser gera o seu contraditório. É importante ressaltar que o filósofo francês descreveu essa alteridade por meio de duas formas em Láêtre et le néant: a má-fé e o espírito de seriedade.

Tanto a má-fé quanto o espírito de seriedade revelam o fascínio do existente perante a exterioridade que acabou de se tornar responsável; porém, é primordial indagar se esse fascínio é fundamentado pela espontaneidade do existente ou se é produto da sua incapacidade de explicar o mecanismo pelo qual a positividade do ser gera o seu contraditório. De certo modo, é mais pertinente assinalar que essa incapacidade é o fundamento tanto da má-fé quanto do espírito de seriedade, posto que a espontaneidade do existente não consegue produzir o seu contrário. Entrementes, é primordial acrescentar que Sartre não indicou em Láêtre et le néant qual seria o fundamento da alteridade da condição humana.

Deve-se esclarecer a causa pela qual o filósofo francês não expôs esse fundamento. A nosso ver, ela é a impossibilidade da questão primordial ética que circunscreve o corpus sartrianum direcionar-se em torno de uma visão pessimista da odisséia enfrentada pela condição humana. Ou seja: essa causa diz respeito a impossibilidade de Sartre corroborar que o homem é uma paixão inútil. Ademais, ressaltar em demasia essa paixão fundamentaria por vias tortas a redução do Ser ao Saber, apesar desta estar sustentada pela incapacidade do não-ser de explicar a sua origem.

Objeção à Juliette Simont

Em face do exposto, nota-se quão importante é para Sartre defender o caráter hipotético da redução do Ser ao Saber em Láêtre et le néant, porque através desse caráter pode sustentar tanto a incapacidade do homem de conhecer a si mesmo na sua plenitude quanto a visão pessimista de que este somente deve se restringir a um conhecimento parcial da sua existência. Por conseguinte, o corpus sartrianum não é um sistema filosófico "acabado", ou melhor, reduzido a uma série de conceitos; aliás, o próprio Sartre sempre rejeitou a hipótese de que o seu existencialismo fosse transformado numa Idéia, apesar de reconhecer o caráter idealista que dominou o seu pensamento até a publicação do tomo I da Critique de la raison dialectique 11 . Logo, não é possível corroborar Simont e indicar que o aspecto moral do "valor" possa aparecer em Láêtre et le néant tanto através do cogito pré-reflexivo quanto do cogito reflexivo 12 , porque seria necessário definir o que Sartre entende por certo e errado no Essai dáontologie phénoménologique. De fato, o filósofo francês deixa a entender que o projeto original do homem é aquilo que lhe é de mais precioso, tornando-se assim uma espécie de "valor supremo"; porém, isso não significa que este possa ser adjetivado no plano moral, dado o caráter hipotético do princípio de conformidade entre o Ser e o pensamento. Ou seja: qualificar a exteriorização da subjetividade humana junto a objetividade da natureza como "valor supremo" não significa captá-la enquanto valor moral, já que é impossível definir em Láêtre et le néant o que seria certo e errado para o homem. Isso decorre de dois fatores, a saber:

  • Nada garante que tanto o espírito de seriedade quanto a má-fé não se constituam como estágios necessários para que o homem possa atingir o pleno conhecimento de si mesmo, motivando a metamorfose do conceito de liberdade como liberdade de escolha. Logo, é complicado qualificá-los como equívocos da condição humana, apesar de impedirem a mesma de suplantar o seu estado alienatório. O próprio conceito de angústia corrobora esta afirmação, pois é sempre antecedido pela objetividade dessa condição.
  • É impossível definir em Láêtre et le néant se o destino do homem seja atingir ou não o pleno conhecimento de si mesmo. Por conseguinte, é inadequado assinalar que a busca incessante do homem para atingir a sua autenticidade é correta, uma vez que pode motivar a redução da liberdade ao conhecimento. Explicando melhor: caso o destino do homem seja compreender plenamente a si próprio, o postulado sartriano que afirma a anterioridade da existência sobre a essência estaria superado.

De certo modo, a tentativa de encontrar o aspecto moral do "valor" em Láêtre et le néant advém da incompreensão face ao sustentáculo primordial do conceito de liberdade de escolha. Com efeito, esse sustentáculo refere-se a impossibilidade de definir se Sartre direciona-se em prol de uma "moral da intenção" ou de uma "moral de resultado" no Essai dáontologie phénoménologique. Isto é: o filósofo francês não assinala se a condição humana deve pautar-se em torno de uma busca infrutífera ou em torno de um estado alienatório que representaria um estágio necessário para que o conceito de liberdade como liberdade de obtenção pudesse aparecer posteriormente.

Referências Bibliográficas

Obras de Sartre

A conferência de Araraquara - Filosofia marxista e ideologia existencialista. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Unesp, 1987.

Critique de la raison dialectique. Tome I - Theorie des ensembles pratiques. Paris: Gallimard, 1960b.

Critique de la raison dialectique. Tome II (inachevé) - Láintelligibilité de láHistoire. Établissement du texte, notes et glossaire par Arlette Elkaïm-Sartre. Paris: Gallimard, 1985.

Láêtre et le néant - Essai dáontologie phénoménologique. Paris: Gallimard, 1943.

Questions de méthode. Paris: Gallimard, 1960a.

Obras sobre Sartre

ELKAÏM-SARTRE, Arlette. Établissement du texte, notes e glossaire de la Critique de la raison dialectique (tome II). Paris: Gallimard, 1985.

HOWELLS, Christina. Sartre. New York: Cambridge University Press, 1992.

SIMONT, Juliette Simont. Jean-Paul Sartre - Un demi-siècle de liberté. Bruxelles: De Boecker Université, 1998 ; Sartrean ethics (In: Sartre). New York: Cambridge University Press, 1992, pp. 178-210.

SILVA, Franklin Leopoldo. Sartre e a ética (Em: Homenagem à Les temps modernes). São Paulo: filocom, 2005, pp. 9-17.

DALPICOLO, André Christian. A alienação na antropologia de J.-P.Sartre. Um estudo entre Láêtre et le néant e Critique de la raison dialectique. São Paulo: PUC, 2005.

Outras Obras Consultadas

HEGEL, G.W.F. La phénoménologie de láesprit. Tradução de Jean Hyppolite. Paris: Aubier, 1991.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2001.


  1.  "A importância da ‘formação’ hegeliana de Sartre tornou-se, portanto, muito mais evidente a partir da publicação dos trabalhos póstumos, e não aparece tão claramente em seus trabalhos publicados enquanto vivo." (VERSTRATEN 354)

  2.  O fato de não erradicar o par sujeito / objeto na dialética hegeliana não significa que o mesmo não tenha sido transcendido no movimento da autoconsciência. Afirmar o contrário é desconhecer todas as características dessa dialética.

  3.  Tem-se de esclarecer que essa metamorfose não suprime o dado essencial da práxis, ou seja, a sua exteriorização junto a objetividade da natureza; isso acontece porque essa metamorfose motiva apenas a rejeição da liberdade pela necessidade, e vice-versa; porém, é preciso observar que essas rejeições estão subordinadas ao encontro entre ambas. Cf. Dalpicolo, André Christian. A alienação na antropologia de J.-P.Sartre. Um estudo entre Láêtre et le néant e Critique de la raison dialectique. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, 2005, pp. 76-86.

  4.  Cf. o conceito de "exteriorização do interior e interiorização do exterior" descrito por Sartre nos tomos I e II da Critique de la raison dialectique.

  5.  "Será que voltaremos a Hegel que faz da alienação um caráter constante da objetivação? Sim e não. Com efeito, é preciso entender que a relação original da práxis como totalização com a materialidade como passividade obriga o homem a objetivar-se no meio que não é seu e apresentar uma totalidade inorgânica como sua própria realidade objetiva. É essa relação de interioridade com a exterioridade que constitui originalmente a práxis como relação do organismo ao seu entorno material; no entanto, é indubitável que o homem - desde o momento que não se designa mais como simples reprodução da sua vida e sim como o conjunto de produtos que reproduzirão a sua vida - se descobre como Outro no mundo da objetividade." (CRD I - 336)

  6.  "In this connection Sartre specifies explicitly the relantioship of the two works: If man is "as Heidegger says ‘a being from afar’", "if he project himself into the milieu of the in-itself-for-itself", this does not come "from some prenatal choice, as Being and Nothingness might lead one to believe erroneously", but "from the univocal internal relationship which joins man as pratical organism to his environment".

  7.  « Láaliénation fondamentale ne vient pas, comme LáÊtre et le Néant pourrait le faire croire, à tort, dáun choix prénatal: elle vient du rapport univoque dáintériorité qui unit láhomme comme organism pratique à son environnement ».

  8.  "De fato, eles têm em comum o fato de que aqui negação deve ser negação da negação, negatividade interna, e sendo assim, o que é então seu próprio nada, deve ser um projeto ou uma projeção do eu sobre aquilo que não é. Além disso, em termos concretos, falta e necessidade são a mesma coisa, em ambos os casos Sartre tem em mente comportamentos simples como fome e sede. Mas há uma diferença. A falta não pode ser satisfeita pelo que estava ‘faltando’ sem essa satisfação ou a lança novamente na impossível busca pelo ser. A necessidade, entretanto, pode e, melhor, deve ser satisfeita: É o direito imprescritível à satisfação (…) Tanto ‘Falta’ quanto ‘Necessidade’ expressam a relação do para-si ou da práxis para o em-si, mas cada uma de uma forma diferente." (Simont, 1992, p. 200)

  9.  "TOTALIZAÇÃO DE ENVOLVIMENTO: seria temerário pretender fixar, aqui, a significação dessa noção: ao longo do Tomo II inacabado, ela permanece a intuição que o anima, sendo que o autor procura circunscrevê-la e aprofundá-la; sua entrada é a inteligibilidade e o sentido da História. Ademais, sua acepção varia segundo a realidade considerada. Assim, a totalização de envolvimento é simplesmente a integração de todos os indivíduos concretos pela práxis." (Elkaïm-Sartre, 1985, p. 462)

  10.  Por outro lado, a positividade do ser configura-se através do princípio da inércia; aliás, tem-se de esclarecer que a compreensão acerca dessa positividade feita pelo corpus sartrianum assemelha-se muito àquela realizada pela escola de Eléia. Em ambos os casos, o movimento do ser é rejeitado, posto que é imutável.

  11.  "Nessas condições, pareceria natural que o existencialismo, esse protesto idealista contra o idealismo, tivesse perdido toda a sua utilidade e não tivesse sobrevivido ao declínio do hegelianismo." (QM 26)

  12.  "Necessidades específicas (’manqué’) têm sua fonte na ‘necessidade’ do para-si assim como Sartre denomina si ou si mesmo como em-si (p. 65). E ele acrescenta que o ‘ser do si é o valor’ (p. 68). Com o conceito de valor, a problemática ética entra em relação com a estrutura ontológica do para-si. Para ter certeza, todo valor é não ético. Para que o valor seja ético ele deve ser tético; deve se tornar objeto de uma posição de reflexão. Na translucidez não-tética do para-si, o valor persegue toda a necessidade concreta; mas inversamente todo valor ético pode ser entendido apenas em termos de ‘supremo valor’, que é, a busca pelo para-si para si ou para sua auto-coincidência." (Simont, 1992, p. 180)

Dalpicolo André
masculin
Wormser Gérard masculin
Resposta a Juliette Simont
Dalpicolo André
Département des littératures de langue française
2104-3272
Sens public 2006-11-14
Sartre: philosophie, littérature, politique...

O objetivo deste trabalho é revelar a forma pela qual a pesquisadora belga Juliette Simont conferiu uma interpretação diferenciada em relação ao entendimento do fenômeno da alienação no corpus sartrianum [Cf. Sartrean ethics (In : Sartre). New York, Cambridge Universitaires Presses, 1992, pp. 178-210], uma vez que o relacionou somente com uma espécie de “obrigação” que a condição humana deve aceitar no seu desenvolvimento temporal. Melhor : ela identifica esse fenômeno com a exterioridade produzida na tentativa do homem de superar a finitude que o cerca. Assim, Juliette conclui que a questão ética permanece em aberto no pensamento de Sartre, pois não há como imaginar o desenvolvimento da liberdade humana à margem da alienação enquanto “determinismo”. A nosso ver, a origem dessa interpretação diferenciada baseia-se na falta de explicação referente à influência exercida por Hegel sobre Sartre, apesar deste assinalar o caráter hipotético da redução do Ser ao Saber. - Abstract : (Answer at Juliette Simont. Reflections about the phenomenom of alienation in Jean-Paul Sartre). The objective of this work is to reveal how the Belgian researcher Juliette Simont confered a different interpretation in respect to the undestanding of the alienation phenomenon in the corpus sartrianum, once she related it to a kind of “obligation” that the human condition must accept in its temporal development. Better : she identifies this phenomenon with the exteriority produced in the man’s attempt to surpass the finity that surrounds him. Therefore, Juliette concludes that the ethical issue remains unsolved in Sartre’s thought, because it is impossible to imagine the development of human freedom apart from the alienation as “determinism”. In our view, the origin of this different interpretation is based on the explanation related to the influence practiced by Hegel on Sartre, although the latter points out the hypothetical character of the reduction of “Being”.

Sartre, Jean-Paul (1905-1980)